É natural que alguém que se dedique à pesquisa em filosofia almeje eventualmente realizar contribuições originais para sua área de estudos. E é igualmente natural que, ao tentar fazê-lo, depare-se com a dificuldade de passar de uma descrição do que outros filósofos disseram para uma contribuição própria. Nesta postagem, ofereço uma maneira relativamente simples de se pensar sobre o que é uma contribuição à pesquisa em filosofia e sobre aspectos como a originalidade e a relevância de uma contribuição. Espero que, apesar de simples e não exaustivas, essas sugestões possam servir como um ponto de partida útil para aqueles que, como eu, já se depararam com questões e dificuldades similares.
Para começar: uma contribuição em filosofia contribui com o quê? Minha sugestão é que uma contribuição em filosofia é uma contribuição a uma discussão filosófica. Mas dizer isso não ajuda muito até que digamos o que é uma discussão filosófica. Enfatizando a noção de discussão (e não seu caráter filosófico), uma discussão filosófica é, antes de mais nada, algo que gira em torno de uma questão. Temos discussões filosóficas, por exemplo, em torno de questões como “O que é a verdade?”, “O que é a justiça?”, “Temos livre-arbítrio?”, “O livre-arbítrio pode existir se o determinismo for verdadeiro?” e assim por diante. Assim, em uma primeira aproximação, podemos dizer que uma contribuição em filosofia busca intervir em uma discussão que tem como meta responder a uma questão filosófica.
Além do direcionamento geral oferecido no parágrafo acima, gostaria de sugerir também que podemos pensar de maneira um pouco mais precisa—e, segundo minha experiência, mais produtiva—sobre perguntas e discussões filosóficas. Para tanto, precisamos fazer uma distinção entre perguntas filosófica abertas e perguntas filosóficas fechadas. Uma pergunta é aberta quando não fixa de antemão as respostas que lhe podem ser dadas. Perguntas como “O que é a verdade” e “O que é a justiça?”, por exemplo, são abertas, pois não há, nelas mesmas, quaisquer indicações sobre como poderão ser respondidas. Diferentemente, perguntas como “Temos livre-arbítrio?” e “O livre-arbítrio pode existir se o determinismo é verdadeiro?” são fechadas e suas respostas se limitam de antemão—nesses casos específicos, a “Sim” ou “Não”. Dizer que perguntas fechadas limitam as respostas não deve ser confundido com dizer que tudo o que nos interessa é a resposta à pergunta colocada. Certamente, como veremos abaixo, também estamos interessados em saber por que deveríamos pensar que uma ou outra resposta é correta e, eventualmente, poderemos estar interessados em mais de uma pergunta fechada sobre um determinado assunto. O que quero sugerir aqui é que delimitar uma discussão filosófica a partir de uma ou mais perguntas fechadas (ao invés de abertas) ajuda na tarefa de buscar, identificar e produzir uma contribuição à pesquisa em filosofia.
Com a noção de uma pergunta fechada em mãos, é relativamente fácil dizer de modo mais detalhado em que consiste uma discussão filosófica. O diagrama a seguir servirá como um guia genérico.

Suponhamos, então, que temos uma pergunta filosófica fechada definida e que ela pode ser respondida com “sim” ou com “não”. A discussão filosófica a que essa pergunta dá origem tem como objetivo dizer qual dessas respostas é a correta. E como isso é feito? Através de argumentos—o que é só mais uma maneira de dizer que, por “discussão” filosófica, entendemos uma interação argumentada, uma conversa pautada por padrões de racionalidade, coerência etc. O produto dessa interação de argumentos será algo como o que aparece no diagrama acima: por um lado, um conjunto de argumentos defendendo a resposta afirmativa à pergunta fechada considerada e criticando defesas da resposta negativa (ramificação do diagrama à esquerda) e, por outro, um conjunto de argumentos defendendo a resposta negativa e criticando defesas da resposta positiva (ramificação à direita). Argumentos afirmativos ou negativos terão premissas variadas (representadas por P1-P8), mas terão como conclusão, respectivamente, a resposta afirmativa ou negativa à pergunta fechada considerada. Os argumentos críticos (contra-argumentos, na parte inferior do diagrama), por sua vez, não precisam ter como conclusão uma resposta afirmativa ou negativa à pergunta fechada. O diagrama representa contra-argumentos como aqueles negam, em sua conclusão, a premissa de um argumento a favor da resposta afirmativa ou negativa à pergunta considerada. Mas essa não é a única forma que um contra-argumento pode ter. Por exemplo, contra-argumentos poderiam também atacar a validade ou eventualmente algum outro aspecto dos argumentos contra os quais se dirigem.
De maneira menos abstrata, pensemos na pergunta fechada: Pode haver livre-arbítrio se a tese do determinismo for verdadeira? A discussão a que esta pergunta dá origem é composta de argumentos que concluem que sim (afirmativos) e outros que concluem que não (negativos). Exemplos de argumentos afirmativos incluem os que recorrem aos casos Frankfurt ou os que propõem análises conditionais da capacidade de agir de mais de uma maneira. Exemplos de argumentos negativos, por outro lado, incluem o argumento da consequência e o argumento do zigoto. Cada um desses argumentos, por sua vez, já recebeu inúmeras objeções (ou contra-argumentos), e é esse conjunto de argumentos e contra-argumentos que constitui a discussão em torno da questão fechada sobre se pode ou não haver livre-arbítrio se o determinismo for verdadeiro (também conhecida como questão da compatibilidade).
O que então seria uma contribuição a uma discussão filosófica? O que foi dito até aqui permite delinear algumas formas que uma contribuição a uma discussão filosófica existente pode tomar. Das mais simples às mais sofisticadas, podemos começar com um contra-argumento. Por exemplo, podemos encontrar um problema em um argumento afirmativo ou negativo. Seguindo o exemplo da questão da compatibilidade, contribuições desse tipo incluem críticas ao argumento da consequência, ao argumento do zigoto ou a argumentos que recorrem aos casos Frankfurt. Contribuições desse tipo, por serem parciais, geralmente não permitirão defender uma resposta direta à pergunta fechada considerada. Mas serão, inevitavelmente, uma parte do caminho nessa direção. Contribuições desse tipo, ademais, geralmente serão apresentadas em uma resenha, comentário ou nota crítica ao trabalho em que o argumento atacado aparece.
Uma forma um pouco mais complexa de contribuição pode combinar a crítica a um argumento ou contra-argumento com uma defesa nova de um argumento positivo ou negativo. Uma contribuição ainda mais sofisticada combinaria a produção de um argumento positivo ou negativo com a produção de objeções aos argumentos mais fortes (ou a todos os argumentos relevantes) a favor da resposta oposta. Na questão da compatibilidade, ou em qualquer outra, esse tipo de contribuição levaria em conta todos os (ou os melhores) argumentos em jogo na discussão filosófica. Por essa razão, é esse tipo de contribuição que geralmente justifica que se conclua, diretamente, que uma ou outra resposta à pergunta fechada considerada é a correta. E, por serem mais sofisticadas, contribuições desse tipo geralmente aparecerão em artigos originais ou livros.
A distinção entre contribuições mais simples e mais sofisticadas também ajuda a pensar sobre a relevância de uma contribuição filosófica. Quanto mais sofisticada uma contribuição, maior será seu impacto na discussão considerada e, consequentemente, maior será sua relevância para a discussão. Por exemplo, uma contribuição que mostre problemas em um único argumento ou contra-argumento tenderá a ser menos relevante para a discussão do que uma contribuição que revele problemas em vários argumentos ou que ajude a reformular um argumento importante. Obviamente, a relevância entendida nesses termos é apenas relativa à discussão e à pergunta filosófica sob consideração. Pois é possível também falar que uma pergunta possa ser, ela mesma, mais ou menos relevante do que uma outra pergunta—por exemplo, relativamente a algum critério teórico ou prático.
É possível também tecer agora alguns comentários sobre a originalidade de uma contribuição filosófica. Se consideramos uma discussão filosófica como derivada do interesse em uma pergunta filosófica fechada, então a originalidade das contribuições não residirá na novidade das respostas oferecidas à questão. Quando se trata de uma questão fechada, as respostas já estão delimitadas de antemão. A originalidade, então, precisa residir na maneira como se defende uma ou outra resposta para a pergunta colocada, nos argumentos e contra-argumentos específicos que são desenvolvidos. Isso parece estar de acordo com o que ocorre frequentemente na discussão filosófica, onde contribuições originais frequentemente representam uma defesa nova de uma tese que já fora defendida no passado por outros.
Para finalizar, a caracterização da discussão filosófica como centrada em perguntas fechadas ajuda ainda a pensar no planejamento e na condução da pesquisa filosófica. Um projeto de pesquisa (por exemplo, um projeto de mestrado ou doutorado) pode ter como objetivo responder a uma pergunta fechada. Para fazer isso é preciso, antes de mais nada, definir cuidadosa e precisamente a pergunta fechada de interesse e elencar os argumentos mais relevantes a favor de cada uma das respostas possíveis. Espera-se, então, que o engajamento crítico com esses argumentos permita que eventualmente se desenvolva contribuições que permitam justificar, mais ou menos diretamente, uma resposta à pergunta escolhida.
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