É comum repetir em contextos educacionais que cada pessoa é diferente, cada criança é diferente, cada adolescente é diferente. É difícil levar esse fato a sério, no lado dos professores e instituições de ensino, pois a escola como um todo é pensada a partir da regra, dos padrões e das repetições. A sala tem trinta estudantes; a sala ao lado mais trinta que estão no mesmo ano, no mesmo curso; o professor, o quadro, o datashow são um só e são difíceis de dividir.
O material citado abaixo ajuda a pensar em algumas características individuais que frequentemente passam desapercebidas (ou talvez, mais propriamente, mal compreendidas) pelo estudante, seus pais, colegas e muitas vezes pelos professores. Se a idealidade de dar um ambiente e estímulo adequados a cada um é distante do alcance, reconhecer essas características pode ao menos prevenir que sejam vistas como problemas do estudante a serem corrigidos, o que pode tornar o ambiente escolar particularmente contraproducente e frustrante.
Introversão e extroversão
Há alguns anos tenho usado como instrumento avaliativo a participação em aula. Trato essa participação como algo bem definido, algo cujo funcionamento os estudantes possam rapidamente compreender: o estudante precisa fazer, durante o semestre, um número mínimo de perguntas, no mínimo úteis para entender os conteúdos trabalhados ou, preferencialmente, filosoficamente interessante, isto é, buscando aprofundamento ou apresentando críticas aos problemas, teses ou teorias estudadas. É fácil ver que estudantes introvertidos poderão ter dificuldades com essa forma de avaliação e, por isso, algumas adaptações precisam ser pensadas.
Introversão e extroversão são modos de um traço da personalidade humana. Uma maneira de entendê-las é como forma de obter e gastar uma energia mental: algumas pessoas cansam-se quando expostas a certos ambientes de interação social (introversão) enquanto outras saem mais facilmente energizadas dessas situações (extroversão). A seguinte tabela contrasta a pessoa introvertida [I] e a extrovertida [E] — a tabela original é de Linda Silverman, adaptada abaixo a partir de sua tradução neste artigo de Angela Virgolim.
Diferenças entre extrovertidos [E] e introvertidos [I]
E: Obtêm energia das interações com outros. I: Obtêm energia dentro deles mesmos.
E: Sentem-se energizados pelas pessoas. I: Sentem-se drenados pelas pessoas.
E: Têm a mesma personalidade, tanto em público quando em particular. I: Tem uma persona e um self interno (mostra o seu melhor self em público).
E: São abertos e confiantes. I: Precisam de privacidade.
E: Pensam em voz alta. I: Ensaiam mentalmente antes de falar.
E: Gostam de ser o centro das atenções. I: Detestam ser o centro das atenções.
E: Aprendem fazendo. I: Aprendem observando.
E: Sentem-se confortáveis em situações novas. I: Sentem-se desconfortáveis com mudanças.
E: Fazem muitos amigos facilmente. I: São leais aos poucos amigos íntimos que possuem.
E: São distraídos. I: São capazes de intensa concentração.
E: São impulsivos. I: São reflexivos.
E: Em grupos gostam de se arriscar. I: Têm medo de serem humilhados; são quietos em grandes grupos.
Como é possível adaptar a exigência de participação através de perguntas em aula com o fato de que uma parcela dos estudantes é introvertida e terá maiores dificuldades, especialmente quando a turma é numerosa e repleta de colegas novos? As possibilidades que tenho adotado são incentivar a participação de todos (afinal, os introvertidos também precisam reconhecer a si mesmos como tais e que esse receio de falar abertamente poderá lhes custar oportunidades em algum momento), mas também oferecer alternativas para os que encontrarem maiores dificuldades em seguir a rota padrão. Algumas dessas alternativas incluem preparar as perguntas em casa e trazer para leitura na próxima aula e, em alguns casos, incentivar o envio de perguntas por e-mail, diretamente ao professor. Em alguns momentos também ofereci a possibilidade de apresentar um ensaio filosófico como substituição para a participação através de perguntas. De um modo geral, a oferta de alternativas serviu para que alguns estudantes tivessem sua participação reconhecida, apesar de preferirem não se manifestar diante da turma toda.
Se levamos a sério o que a psicologia da personalidade nos mostra, não faz sentido achar que, neste ponto, há um problema com a introversão (ou com a extroversão), mas sim entender como cada personalidade opera e oferecer os caminhos mais adequados para potencializar o crescimento e diminuir eventuais perdas. Uma próxima postagem explorará um segundo tema abordado no artigo de Angela Virgolim, as características de estudantes com altas habilidades, que frequentemente também podem manifestarem-se como problema e não como traço individual que exige caminhos peculiares para permitir um maior desenvolvimento dos estudantes.
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