“Talvez uma resposta simples poderia ser que a música é uma linguagem do sentimento. […] o milagre da música é que sua linguagem é universal.” As palavras são de Seymour Bernstein, no livro Play life more beautifully. Essas palavras foram uma das inspirações para uma oficina exploratória sobre teoria musical e música clássica que ousei oferecer na Semana Acadêmica deste ano, aqui no IFFar. Parte da atividade consistiu em ouvirmos algumas músicas, as cinco primeiras desta playlist disponível no YouTube. A experiência valeu a pena e as reações dos participantes me pareceram corroborar as palavras de Berstein de uma maneira impressionante.
Marcelo Fischborn
Doutor em Filosofia. Professor no Instituto Federal Farroupilha. Autor de Por que pensar assim? Uma introdução à filosofia
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“O mesmo trabalho pode ter origem no medo e na compulsão, no desejo ambicioso de autoridade e distinção ou no interesse amoroso pelo assunto e desejo de alcançar a verdade e o entendimento, e assim naquela curiosidade divina que toda criança saudável possui, mas que tão frequentemente é enfraquecida cedo.”
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“Julgar que uma pessoa é moralmente responsável envolve acreditar que certas respostas (como punição, recompensa, ou expressões de reprovação ou elogio) podem ser justificadamente dirigidas à pessoa. Este artigo desenvolve uma abordagem sobre a evolução do juízo de responsabilidade moral que adota a teoria das duas etapas da evolução da moralidade de Michael Tomasello e leva em conta também o trabalho de Christopher Boehm. A principal hipótese defendida diz que o juízo de responsabilidade moral evoluiu originalmente como uma adaptação que permitiu a grupos de indivíduos cooperativos responsabilizar aproveitadores [free riders] de modo mais seguro ao agirem de modo coordenado.”
O trecho acima traduz o resumo do artigo “The Evolutionary Roots of Moral Responsibility“, que acabo de ter aceito para publicação na revista Philosophy of Science. A escrita do artigo inicou em 2020 e foi uma jornada muito recompensadora. É uma alegria poder compartilhar o resultado.
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Uma parte do trabalho de mestrandos, doutorandos e pesquisadores em geral envolve aprender a navegar o processo de submissão e publicação de trabalhos, especialmente de artigos e eventualmente também de livros.
Na área de filosofia, foi mais fácil para mim entender como funcionam revistas internacionais do que revistas brasileiras. E isso se deu principalmente pela transparância das próprias revistas e também por relatos compartilhados em blogs de acesso aberto. Por exemplo, é fácil ter uma estimativa sobre quanto tempo várias revistas estrangeiras levam para avaliar e publicar um artigo, e também sobre com que frequência oferecem comentários de boa qualidade aos autores e quais são suas taxas de rejeição.
De modo similar, existe orientação sobre o processo de publicação de livros em grandes editoras, sendo incentivada, por exemplo, a apresentação de propostas (ou projetos) de livros, mais do que a apresentação de um livro já pronto.
Minha percepção é que é muito mais difícil conseguir informações similares sobre revistas e editoras brasileiras. Sobre o processo de publicação de livros, em particular, o site de muitas editoras cobra o envio de material já completo. Bem, um livro é um projeto que exige um investimento de tempo considerável, e seria interessante poder apresentar e discutir propostas com editores potencialmente interessados, talvez para benefício de ambas as partes. Dada essa escassez de orientação, este que vos escreve aceita sugestões de informações relevantes, especialmente sobre o processo de publicação de livros no Brasil, daqueles que tenham passado pela experiência ou que possam indicar onde encontrá-las.
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Pessoas no mundo todo têm discutido (por exemplo, aqui e aqui) como tecnologias de produção textual como o ChatGPT impactarão o ensino em universidades e escolas. O problema mais urgente é como esse tipo de tecnologia afetará a avaliação dos estudantes a partir de exercícios que envolvam produção textual. A gravidade do problema, obviamente, depende do poder da tecnologia disponível. Pedi para o conversador digital responder a algumas perguntas e o resultado parece, no mínimo, digno de atenção:
Pergunta: “Qual é a importância das definições na filosofia de Sócrates?”
ChatGPT: “Na filosofia de Sócrates, a importância das definições residia na crença de que ter uma compreensão clara do significado de um conceito era necessário para entender o próprio conceito. Sócrates acreditava que, examinando as definições de diversos conceitos, poderia-se ter uma compreensão mais profunda da natureza desses conceitos e de como eles se relacionavam uns com os outros. Para Sócrates, a busca por definições era uma maneira de adquirir conhecimento e sabedoria, pois ele acreditava que ter uma compreensão clara do mundo ao nosso redor era essencial para viver uma vida boa e significativa.”
Pergunta: “Quais são os conhecimentos de filosofia mais importantes para um estudante do ensino médio brasileiro?”
ChatGPT: “Os conhecimentos de filosofia mais importantes para um estudante do ensino médio brasileiro podem variar dependendo da escola e da grade curricular. No entanto, alguns tópicos comuns em cursos de filosofia do ensino médio no Brasil podem incluir:
- Introdução à filosofia: conceitos básicos, história da filosofia e métodos de pensamento filosófico.
- Filosofia antiga: os filósofos pré-socráticos, Platão, Aristóteles e outros filósofos importantes da Grécia antiga.
- Filosofia moderna: filósofos como René Descartes, John Locke, Immanuel Kant e outros que influenciaram a filosofia moderna.
- Ética: questões morais e a natureza da moralidade, incluindo a teoria do bem e do mal, o livre-arbítrio e a responsabilidade moral.
- Filosofia política: ideias sobre o Estado, o poder e o papel do indivíduo na sociedade, incluindo teorias da justiça e da democracia.
- Filosofia da mente: questões sobre a natureza da mente e da consciência, incluindo a relação entre a mente e o corpo.
Esses são apenas alguns exemplos de tópicos que podem ser abordados em um curso de filosofia do ensino médio. É importante notar que essa lista não é exaustiva e que outros tópicos também podem ser incluídos, dependendo da escola e do professor.”
A resposta acima, apesar de bem redigida e com sentido, me pareceu uma mera repetição de listas de conteúdos prontamente encontradas em ementas de filosofia. Por isso, tentei tornar a tarefa do robô mais sofisticada nos dois exemplos abaixo. Cada um poderá fazer sua reflexão sobre o possível impacto desta tecnologia em alguns elementos bastante tradicionais de nossos sistemas de ensino, especialmente nas humanidades.
Pergunta: “Quais são as discussões existentes sobre o papel da filosofia no ensino médio?”
ChatGPT: “Existem várias discussões sobre o papel da filosofia no ensino médio, incluindo:
- A importância da filosofia para o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo: muitos argumentam que a filosofia é importante no ensino médio porque ajuda os estudantes a desenvolver habilidades de pensamento crítico e reflexivo, o que os ajuda a entender e analisar de forma mais profunda os problemas e questões do mundo ao seu redor.
- O valor da filosofia para a formação moral: alguns argumentam que a filosofia é importante no ensino médio porque ajuda os estudantes a pensar de forma mais profunda sobre questões éticas e morais, o que pode ajudá-los a tomar decisões mais bem informadas e responsáveis em suas vidas.
- A filosofia como uma forma de aprendizado interdisciplinar: alguns argumentam que a filosofia é importante no ensino médio porque ajuda os estudantes a pensar de forma mais crítica sobre questões que transcendem as fronteiras disciplinares, o que os ajuda a compreender melhor o mundo ao seu redor.
- O papel da filosofia no desenvolvimento de habilidades de comunicação: alguns argumentam que a filosofia é importante no ensino médio porque ajuda os estudantes a desenvolver habilidades de comunicação, como debater, discutir e argumentar de forma clara e eficaz.
Esses são apenas alguns exemplos de discussões sobre o papel da filosofia no ensino médio. É importante notar que diferentes pessoas podem ter opiniões diferentes sobre a importância da filosofia no ensino médio e que essas opiniões podem variar dependendo de fatores como as crenças pessoais, as experiências de vida e as expectativas de aprendizado.”
Pedido: “Escreva um soneto sobre a caneta e o mouse.”.
ChatGPT: “A caneta e o mouse, dois companheiros
Que me acompanham na jornada diária
A caneta, tão velha e já tão querida
O mouse, tão novo e tão tecnológicoA caneta, meu braço direito na escrita
O mouse, meu braço esquerdo na digital
Juntos, eles me ajudam a criar e produzir
Com a caneta eu posso escrever com calma
Com o mouse eu posso navegar com rapidezA caneta e o mouse, dois amigos fiéis
Que me acompanham em todas as minhas tarefas
Sem eles, eu estaria perdido e sem rumo
Eu agradeço por tê-los ao meu ladoA caneta e o mouse, dois tesouros valiosos
Que me ajudam a viver minha vida plenamente.” -
Compartilho abaixo alguns trechos que traduzi para uso como material complementar para aulas de filosofia política.
Perfeccionismo
A transição da ética perfeccionista à política perfeccionista é natural. Podem-se organizar instituições políticas e adotar políticas de estado que promovam ou dificultem valores perfeccionistas de várias maneiras e em vários graus. Se aceitamos uma ética perfeccionista, então há uma presunção a favor do perfeccionismo na política. Outras coisas sendo iguais, deveríamos apoiar as instituições e políticas estatais que mais bem promovam o bem no contexto a que se aplicam. […]
Críticos da política perfeccionista frequentemente rejeitam a ideia de que há modos de viver objetivamente melhores ou piores. O subjetivismo e o niilismo sobre o bem frequentemente embasam o antiperfeccionismo. Mas as críticas filosóficas recentes mais influentes à política perfeccionista não vão por este caminho. […] Elas procuram mostrar que políticas estatais perfeccionistas, mesmo se informadas por um entendimento adequado do bem, seriam ainda assim ilegítimas.
Trechos traduzidos a partir de: https://plato.stanford.edu/entries/perfectionism-moral/
Realismo
Insatisfeitos com o mundo tal como o encontraram, os idealistas sempre tentaram responder a questão sobre como a política “deveria ser”. Platão, Aristóteles e Cícero foram idealistas políticos que acreditavam que havia valores morais universais que poderiam embasar a vida política. […] No final do século XV, quando Nicolau Maquiavel nasceu, a ideia de que a política […] deveria ser virtuosa […] ainda predominava na literatura política.
Maquiavel (1469–1527) desafiou esta tradição moral bem estabelecida, posicionando-se, assim, como um inovador. A novidade de sua abordagem reside em sua crítica ao pensamento político ocidental por ser irrealista e em ter separado política e ética. Assim, ele estabelece as bases da política moderna. No capítulo XV do Príncipe, Maquiavel anuncia que, ao distanciar-se dos ensinamentos de pensadores anteriores, busca “a verdade efetiva e não a imaginada”. A “verdade efetiva” é, para ele, a única verdade digna de ser buscada. Ela representa a soma das condições práticas que acredita serem necessárias para tornar tanto o indivíduo quanto o país prósperos e fortes. Maquiavel substitui a virtude antiga (uma qualidade moral do indivíduo, tal como justiça ou moderação) pela virtú, habilidade ou vigor. Como um profeta da virtú, ele promete levar tanto nações quanto indivíduos à glória e poder mundanos.
Trechos traduzidos a partir de: https://plato.stanford.edu/entries/realism-intl-relations/
Contratualismo moderno
“Contratualismo” nomeia tanto uma teoria política sobre a legitimidade da autoridade política quanto uma teoria moral sobre a origem ou conteúdo legítimo das normas morais. A teoria da autoridade afirma que a autoridade legítima do governo precisa derivar do consentimento dos governados, onde a forma e conteúdo deste consentimento deriva da ideia de contrato ou acordo mútuo. A teoria contratualista moral afirma que as normas morais derivam sua força normativa da ideia de contrato ou acordo mútuo. Os contratualistas são céticos sobre a possibilidade de basear a moralidade ou a autoridade política na vontade divina ou algum ideal perfeccionista sobre a natureza humana. Os teóricos do contrato social incluem Hobbes, Locke, Kant e Rousseau. O teórico do contrato social contemporâneo mais importante é John Rawls, que efetivamente ressuscitou a teoria do contrato social na segunda metade do século XX, juntamente a David Gauthier, que é um contratualista sobre a moralidade.
Trechos traduzidos a partir de: https://plato.stanford.edu/entries/contractarianism/
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“Referindo-se à independência das necessidades e ao tempo livre (schōle) como valores e como critérios para escolher o tipo de vida ao qual dedicar-se, o que Aristóteles estava fazedo era conectar o ideal da vida teórica a tendências bem conhecidas na moralidade popular grega, transcendendo as oposições platônicas entre filosofia e senso comum.” (p. 74)
“A primeira condição necessária para a theōria, a posse moderada de bens e liberar-se das necessidades, assim, constitui a base da segunda condição necessária, schōle…” (p. 74)
“De acordo com Aristóteles, schōle é uma condição necessária para o pensamento a partir de um outro ponto de vista também; ela distingue a reflexão filosófica do debate sofístico, no qual os debatedores batalham contra seus adversários de modo a ganhar e são movidos pela necessidade de autoafirmação. O que é necessário para se alcançar a verdade, ao contrário, é a reflexão tranquila.” (p. 75).
As citações são traduções minhas a partir do livro Aristotle: his life and school, de Carlo Natali (Princeton University Press, 2013). Além de darem uma ideia sobre o tipo de vida e investigação almejado por Aristóteles, essas passagens nos lembram da origem da palavra ‘escola’ e da importância da disponibilidade de certo tipo de tempo livre na atividade investigativa—uma condição que tem relativa fragilidade em nossas instituições de ensino e pesquisa.
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A capacidade de lembrar é central na vida humana. Mas quando nossa capacidade falha—algo que acontece rotineiramente, mas que também pode acontecer mais intensamente em alguma situação patológica ou no curso natural da vida—o que explica o que permacerá?
“Enquanto as teorias anteriores debatiam se o hipocampo é necessário apenas para memórias recentes ou para memórias episódicas, o modelo novo sugere que o que realmente importa é quão frequentemente revisitamos a memória. Quando uma memória é recordada com frequência, ela acabará mais rapidamente sendo armazenada no córtex, tornando-se menos episódica e mais independente do hipocampo. Mas uma memória que raramente é revisitada permanecerá dependente do hipocampo. As memórias mais antigas podem ser relembradas com maior frequência, mas a relação não é perfeita. Isso explicaria por que alguns danos afetam memórias de quarenta anos atrás, enquanto outros estendem-se a memórias de apenas dez anos.” (Emilie Reas, Important New Theory Explains Where Old Memories Go)
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Parece que o fóssil de mamífero mais antigo do mundo foi encontrado em Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul. O Brasilodon quadrangularis, de 20 cm, viveu há 225 milhões de anos. A julgar por outras tantas descobertas do tipo realizadas por aqui, parece que uma das vocações de nosso estado pode bem ser a paleontologia.