Marcelo Fischborn

Doutor em Filosofia. Professor no Instituto Federal Farroupilha. Autor de Por que pensar assim? Uma introdução à filosofia

  • Há algum tempo atrás, enquanto eu estava estudando uma discussão sobre asserção, acabei lendo o livro Speech Acts, de John Searle. Antes de mais nada fiquei encantado com o estilo de escrever deste importante filósofo, principalmente quanto à clareza.

    Por ter-me detido mais à questão da asserção, “tive a sorte” de encontrar um pequeno engano (provavelmente de digitação) no Capítulo 3, seção 3.4 “Extending the analysis”. Na frase que começa na linha 9 da página 64 (edição de 2007) diz assim:

    “For assertions, the preparatory conditions include the fact that the hearer must have some basis for supposing the asserted proposition is true, […]”

    A palavra “hearer”, para quem tem familiaridade com a teoria de Searle, está equivocada aí. O correto seria “speaker”, é o falante que tem que ter alguma base para supor que a proposição que ele afiam é verdadeira, não o ouvinte.

    ——

    A little typo on Speech Acts by John Searle:

    In Chapter 3, section 3.4 “Extending the analysis” (p.64 in the edition of 2007):

    “For assertions, the preparatory conditions include the fact that the hearer must have some basis for supposing the asserted proposition is true, […]”

    “hearer” is to be read “speaker”.

    Livro:
    Searle, Speech Acts: ver em Amazon.com.

  • Por acaso, trompei ontem com o seguinte trecho da Crítica da Razão Pura (1781) de Kant :

    “Ainda menos se deverão considerar idênticoso fenômeno e a aparência. Porque a verdade ou a aparência não estão no objeto, na medida em que é intuído, mas no juízo sobre ele, na medida em que é pensado. Pode-se pois dizer que os sentidos não erram, não porque o seu juízo seja sempre certo, mas porque não ajuízam de modo algum. Eis porque só no juízo, ou seja, na relação do objeto com o nosso entendimento, se encontram tanto a verdade como o erro e, portanto, também a aparência, enquanto induz este último.” (Kant, na Crítica da Razão Pura, primeiro parágrafo da Dialética Transcendental, sublinhados meus).

    De imediato, me vieram também à cabeça Descartes, nas Meditações (1641):

    “3. Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-os dos sentidos ou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.” (Descartes, Meditação Primeira, parágrafo 3, meus sublinhados).

    E veio também Austin (ao lado de Kant??), no Sentido e Percepção (1959):

    “5. Considere-se, a seguir o que se diz sobre o engano dos sentidos. Admitimos, afirma-se, que ‘às vezes somos enganados pelos sentidos’, ainda que, em geral, achemos possível ‘confiar’ nas ‘percepções dos sentidos’.
    Em primeiro lugar, embora a frase ‘enganados pelos sentidos’ seja metáfora corrente, não deixa de ser uma metáfora; e isto é digno de nota, pois, no que vem a seguir, a mesma metáfora é freqüentemente retomada e continuada pela expressão ‘verídico’. Na verdade nossos sentidos são mudos – ainda que Descartes e outros falem do ‘testemunho dos sentidos’ -, os sentidos não nos dizem nada de verdadeiro nem de falso.” (Austin, Sentido e Percepção, Cap 2, p 12, Martins Fontes, 2004, meus sublinhados).

    Livros:
    Austin, Sentido e Percepção: ver na Livraria Cultura.
    Descartes, Meditações Metafísicas: ver na Livraria Cultura.
    Kant, Crítica da Razão Pura: ver na Livraria Cultura.

  • A filosofia trata de certos problemas. É sempre importante afirmar isso, principalmente para diferenciá-la do mero devaneio. Ocorre que, ao estudarmos filosofia, seguidas vezes não nos fica claro que perguntas (ou problemas) um filósofo está tentando respoder (ou resolver).

    Dado isso, considero que é sempre prazeroso quando trompamos com boas perguntas em meio aos textos, principalmente se a resposta será fornecida em seguida. Compartilho abaixo uma citação de Kant nesse espírito:

    “Que são então o espaço e o tempo? São entes reais? Serão apenas determinações ou mesmo relações de coisas, embora relações de espécie tal que não deixariam de subsistir entre as coisas, mesmo que não fossem intuídas? Ou serão unicamente dependentes da forma da intuição e, por conseguinte, da constituição subjectiva do nosso espírito, sem a qual esses predicados não poderiam ser atribuídos a coisa alguma?” (Kant, Crítica da Razão Pura, B37 [Ed. Calouste, Lisboa]).

  • É a natureza das cores um assunto trivial? É simples!? Ou seriam as cores “dignas” de uma abordagem filosófica? Penso que muitas pessoas não sabem que as cores são um assunto muito intrigante em filosofia. Segundo a Enciclopédia Stanford, por exemplo,

    “Cores são de interesse filosófico por dois tipos de razões. Uma delas é que as cores abrangem uma ampla e importante porção de nossa vida social, pessoal e epistemológica e, assim, uma abordagem filosófica de nossos conceitos de cor é altamente desejável. A segunda razão é que tentar enquadrar as cores em abordagens metafísicas, epistemológicas e científicas conduz a problemas filosóficos intrigantes e difíceis de resolver. Não surpreendentemente, estes dois tipos de razões estão relacionados. O fato das cores serem tão significantes por seu próprio mérito, torna mais urgentes os problemas filosóficos de enquadrá-las num sistema (framework) metafísico e epistemológico mais amplo.”1

    Feita esta apresentação geral, gostaria de mostrar aqui que não é de hoje que as cores são objeto de interesse dos filósofos. No diálogo Mênon, de Platão, por exemplo, Sócrates define “figura” para que Mênon tenha um modelo de definição (que ele deverá aplicar posteriormente para definir a virtude):

    “SO. […] Examina então se aceitas que ela [a figura] é o seguinte: seja pois a figura, para nós, o único entre os seres que acontece sempre acompanhar a cor.”2

    A definição de Sócrates apelou para a noção de cor. Mas Mênon não se contenta com essa definição de figura e, pouco mais à frente no diálogo, pede também uma definição de cor. A isso, Sócrates responde:

    “SO. Não é verdade que falais de certas emanações dos seres, segundo <a teoria de> Empédocles? –MEN. Certamente. –SO. E também de poros, para os quais e através dos quais correm as emanações? –MEN. Perfeitamente. –SO. E, dentre as emanações, <não dizeis que> algumas se adaptam a alguns dos poros, enquanto outras são menores ou maiores? –MEN. É assim. –SO. E há também, não é?, algo a que dás o nome de visão. –MEN. Há. –SO. A partir disso tudo então, “atende ao que digo”, <como> diz Píndaro. A cor é pois uma emanação de figuras de dimensão proporcionada à visão e <assim> perceptível.”3

    Como vemos, no trecho acima, Sócrates dá uma definição de cor valendo-se da teoria de Empédocles. Embora muito tempo tenha se passado de Platão até nossos dias, o assunto das cores (como muitos outros assuntos filosóficos) continua controverso. São as cores qualidades puramente objetivas, isto é, que pertencem aos objetos físicos que vemos? Ou seriam elas, de alguma forma, relativas aos observadores? Em que podem nos ajudar explicações do daltonismo ou abordagens fisiológicas da percepção visual? O tema é sem dúvida quente!

    1 Tradução minha da introdução de MAUND, Barry, “Color”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2008 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <http://plato.stanford.edu/archives/fall2008/entries/color/>.

    2Platão, Mênon, 74c (Trad. de Maura Iglésias; Ed. Puc-Rio, Loyola; 2001).

    3Ibid. 76d.

  • É meio-dia e a mãe de Pedro precisa sair de casa, sendo que não sabe a que horas irá voltar. Antes de sair, porém, ela exige de Pedro que prometa que se chover, então ele recolherá a roupa do varal. Pedro concorda. A mãe de Pedro sai. Entretanto, logo em seguida, amigos de Pedro chegam e o convidam para jogar futebol num campinho não muito próximo.

    Como poderá Pedro, ao mesmo tempo, ir jogar futebol com os amigos e não descumprir o trato que fizera com a mãe, independentemente de que chova ou não?

    Comente e tente acertar a resposta. Dicas? Aqui.

  • Sobre este post: este escrito será o primeiro de uma série voltada a alunos do ensino médio. Se este é o seu caso, eu ficaria muito grato de ouvir um comentário seu; o mesmo também vale para todos aqueles que não são estudiosos de filosofia. Para estudiosos de filosofia (mas não excluindo esta oportunidade dos demais) comentários críticos e discussões sobre conteúdo e metodologia serão também bem-vindos.

    O conetivo SE-ENTÃO (ou “A condicional material)

    Aproveitando o espírito da questão 44 do Vestibular deste ano (2010) da UFSM gostaria de começar uma série de postagens no blog apresentando o conetivo “se-então”. Comecemos considerando a seguinte sentença:

    (1) Se João vai à igreja, então João é uma boa pessoa.

    O que seria necessário para mostrar que essa afirmação é falsa? Primeiramente, mostraríamos que essa afirmação é falsa apresentando uma afirmação que seja verdadeira e que diga justamente o contrário de (1). Em outros termos, para falsificar (1) temos que dizer que sua negação é verdadeira. Mas qual é a negação de (1)? Alguém, talvez intuitivamente, poderia ficar tentado a dizer que a negação de (1) seria algo como:

    (2) Se João vai à igreja, então não é uma boa pessoa.

    ou, ainda:

    (3) Se João não vai à igreja, então João é uma boa pessoa.

    Entretanto, embora talvez sugestivas, estas duas opções (2 e 3) não são boas candidatas a negação de (1). Por quê? Bem, para responder isso precisamos considerar um pouco mais atentamente a afirmação original (1). Para entendê-la de modo mais refinado, devemos perceber que ela contém duas afirmações que podem ser separadas:

    (p) João vai à igreja; e
    (q) João é uma boa pessoa.

    Mas (1) não é composta somente de (p) e (q); há ainda duas expressões (“se” e “então”) que ligam essas duas afirmações. Essas duas expressões são tratadas em lógica como um único conetivo de sentenças – um conector de sentenças. O conetivo “se-então” é chamado de “condicional material” (ou ainda, “implicação material”). Além disso, a sentença p é chamada de “antecedente” e q de “consequente”. Assim, também poderíamos escrever (1) como:

    (1)’ Se p, então q.

    Mas como a condicional “se-então” relaciona as sentenças o antecedente p e o consequente q? O que ela diz sobre essas duas sentenças? O que este conetivo diz a respeito das duas afirmações que compõem (1) é o seguinte:

    (1)” Se é verdade que João vai à igreja, então também é verdade que João é uma boa pessoa.

    ou:

    (1)”’ Se é verdade que p, então também é verdade que q.

    Assim, o significado do conetivo “se-então” seria: se o antecedente é verdadeiro, então o consequente também o é.

    Mas e quanto à nossa pergunta: qual é a negação de (1); qual é a negação de “se p, então q”? Por definição, na lógica clássica (das proposições) esta afirmação só seria falsa se fosse verdadeiro que João vai à igreja e (ao mesmo tempo) falso que ele é uma boa pessoa. Em outras palavras: (1) só seria falsa se p fosse verdadeira e q fosse falsa. Em qualquer outro caso (1) seria verdadeira. Assim, a negação de (1) seria (expressaremos a negação com o símbolo “~”):

    ~(1) João vai à igreja e João não é uma boa pessoa.
    ou, ainda:
    ~(1)’ p e ~q. (afirma p ao mesmo tempo que nega q)

    Para que tudo isso fique mais claro, vamos imaginar todas situações possíveis com as quais a afirmação (1) poderia se defrontar. (Lembrando que (1) só é falsa se o antecedente for verdadeiro e o consequente falso, uma vez que o que a condicional material nos diz é que, quando o antecedente é verdadeiro, o consequente também tem que ser verdadeiro.) Passemos às situações hipotéticas possíveis:

    (1) Se joão vai à igreja, então é uma boa pessoa.

    Situação (a):
    – João vai à igreja (é Verdade que João vai à igreja);
    – João é uma boa pessoa (é Verdade que João vai à igreja);

    Assim, a afirmação (1) é VERDADEIRA neste contexto (é verdade que Se João vai à igreja, então João é uma boa pessoa).

    Situação (b):
    – João vai à igreja.
    – João não é uma boa pessoa (é Falso que João é uma boa pessoa).

    Neste caso (como vimos acima) a afirmação (1) é FALSA, pois o significado de “se-então” é justamente que se e verdade que João vai à igreja, então também tem que ser verdade que ele é uma boa pessoa.

    Situação (c):
    – João não vai à igreja (é Falso que João vai à igreja)
    – João é uma boa pessoa.

    Nesta situação (c), a afirmação (1) é VERDADEIRA. Isso pode soar estranho, mas o que a condicional “se-então” nos diz é o que deve ocorrer se o antecedente for verdadeiro (que neste caso o consequente tem de também ser verdadeiro). Mas a condicional não informa o que deve ocorrer com o consequente se o antecedente for falso (como ocorreu neste caso).

    Obs: este caso parece não corresponder ao uso que fazemos de afirmações condicionais na linguagem do cotidiano. Uma maneira de se entender melhor esta linha pode ser a seguinte: só mostramos que uma afirmação condicional é falsa se tivermos um antecedente verdadeiro e consequente falso. Se o antecedente não é verdadeiro não temos como mostrar que a condicional é falsa. Sendo assim, consideramos a condicional verdadeira, “até que se prove o contrário”.

    Situação (d):
    – João não vai à igreja.
    – João não é uma boa pessoa.

    Nesta situação, assim como na anterior, (1) é VERDADEIRA, uma vez que o significado da condicional não nos faz nenhuma exigência sobre o consequente quando o antecedente é falso.

    RESUMO

    1. O conetivo “se-então” nos diz que se o antecedente for verdadeiro, o consequente também tem que ser. (O símbolo para a condicional “se-então” é “->” [seta para a direita]).
    2. Assim, uma afirmação do tipo “p -> q” só será Falsa se p é verdadeira e q falsa.
    3. Podemos relacionar os possíveis valores de verdade de “p”, “q”, e da condicional “p -> q” numa tabela como a seguinte (“V” para “verdadeiro”; “F” para “falso”):

    |  p  |  q  |  p -> q |
    | V  |  V  |     V      |
    | V  |  F  |     F       |
    | F  |  V  |    V       |
    |  F |   F |     V       |
    (Tabela de Verdade da Condicional Material)

    Com esta tabela fica evidente que condicional “se-então” só é Falsa se o antecedente for verdadeiro e o consequente falso (esta é a negação da condicional). Esta tabela esgota todas as possibilidades, assim como os exemplos acima.

  • Quero com este post trazer ao blog um tema que é novo para mim. Trata-se da psicanálise (sob a forma de filosofia da psicanálise ou da psicologia), e o que me chama a atenção nesse assunto é a diversidade de opiniões que os mais variados filósofos contemporâneos tiveram ou têm a este respeito. O assunto sem dúvida é polêmico e não acabado. Para introduzir o tema aqui vou fazer citações da filósofa e psicanalista Marcia Cavell e do filósofo John Searle. O que chamará a atenção são as posições radicalmente opostas que os dois mantém. (Faço ao mesmo tempo uma divulgação do livro de Cavell e convido quem já o tenha lido, ou quem simplesmente esteja interessado no assunto, a comentar).

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    Trecho de Marcia Cavell, Becoming a Subject – Reflections in Philosophy e Psychoanalysis (New York: Oxford University Press, 2006), 3-5pps:

    “ A direção de influência entre filosofia e psicanálise vai em ambas as direções. Como uma teoria dedicada ao que é ser uma pessoa, a ampliar (como uma questão de prática) o escopo no qual agimos em algum sentido livremente, e com o auto-conhecimento, a psicanálise pode aprender com a filosofia, uma vez que é aí que ocupou-se mais atenciosamente destes temas. Em retorno, tratamentos filosóficos deles demandam, eu acredito, reconhecimento de algumas alegações básicas da psicanálise.
    Entre as duas disciplinas há uma grande área de sobreposição e, obviamente, muitas diferenças, uma das quais é que em filosofia e nas ciências duras o particular entra principalmente na forma de instância e exemplo, enquanto que, tanto em sua teoria quanto em sua prática, a psicanálise precisa glorificar o fato de que nunca dois seres humanos são mais do que grosseiramente semelhantes. Freud tem sido algumas vezes criticado por assumir que há tal coisa como uma natureza humana, ou um conjunto de generalizações que podem ser feitas a respeito de todas as pessoas em todos os tempos. Eu não estou certa de que ele assume isso. Ele certamente acredita que grandes perturbações na cultura podem mudar o que temos tomado como sendo o natural e universal. (Pense em Totem and Taboo e Civilization and its Discontents.) Mas, de qualquer modo, embora a psicanálise frequentemente faça vastas generalizações sobre desenvolvimento, ela não generaliza sobre ‘o sujeito’; ela toma cada um de nós como sendo único de um modo como qualquer tipo de ‘ciência’ possível sobre nós deve moldar-se. Devesse a psicanálise abandonar tal perspectiva, como ela faria se, por exemplo, decidisse que o discurso sobre o mental poderia ser completamente substituído por um discurso sobre circuitos neurais, e ela estaria morta. Mas, longe de mover-se em tal direção, analistas estão cada vez mais cientes, precisamente, de quão complexas são as variáveis que afetam o que cada um de nós sente, pensa, ou diz à sua analista, e a própria relação analítica.
    Psicanálise, portanto, é, e deve ser, uma ciência “peculiar”, como se reflete no fato de “psicanálise” referir-se, de uma só vez, a uma teoria da mente, um método de prática clínica, e uma teoria sobre essa prática. Talvez essa peculiaridade seja uma das fontes do espanto que ela tão frequentemente levantou. Embora eu acredite que haja também outras.
    Por um longo período, filósofos, interessantemente mais na Grã-Bretanha que na América, souberam que seus interesses filosóficos amarravam-se na psicanálise. Da Grã-Bretanha, pense em Stuart Hampshire, Ludwig Wittgenstein, John Wisdom, Richard Wollheim, Alasdair MacIntyre, David Pears, James Hopkins, Sebastian Gardner, David Snelling; dos Estados Unidos e Canadá: Herbert Fingarette (cujo trabalho tem sido, em minha opinião, insuficientemente aproveitado), Richard Kuhns, Stanley Cavell, Jonathan Lear, Jerome Neu, Donald Davidson, Ronald de Sousa, Adolph Grunbaum (em desprezo).” (Minha Tradução).

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    Agora o Searle. Ele fala da psicologia Freudiana em particular. O livro é Mente, Linguagem e Sociedade – Filosofia no mundo real (Rio de Janeiro: Rocco, 2000 [originalmente de 1998]). Searle fala da psicologia como um dos ataques à visão moderna (iluminista) do mundo e do homem:

    “… a psicologia freudiana foi considerada não como uma porta de entrada para uma racionalidade melhorada, mas sim como uma prova da impossibilidade da racionalidade. Segundo Freud, a consciência racional é apenas uma ilha no oceano do inconsciente irracional.” (p.12-13)

    E, rejeitando esse ataque:

    “… a psicologia freudiana, qualquer que tenha sido sua contribuição definitiva para a cultura humana, não é mais levada a sério como teoria científica. Ela continua a existir como fenômeno cultural, mas poucos cientistas sérios acreditam que forneça uma explicação cientificamente consistente do desenvolvimento psicológico e da patologia humanos.” (p.14)

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    A forma como Searle trata do assunto é de visível desprezo. Outro filósofo famoso por criticar o status de “ciência” da psicanálise foi Karl Popper. Mas, como Cavell mencionou, vários outros filósofos de peso abordaram questões que se ligavam à psicanálise, como Wittgenstein e Davidson. A questão sem dúvida é intrigante.

    * O texto de Cavell pode ser visualizado no Google Books, aqui.

    Livros:
    Cavell, M. Becoming a subject: ver em Amazon.com.
    Searle, J. Mind, language and society:  ver em Amazon.com.

  • Resumo: (Primeiramente, o leitor que não está interessado em discussões sobre ensino de filosofia, e quer apenas ampliar seu conhecimento sobre a filosofia de Heráclito, pode ir diretamente à seção III.) Em I apresento brevemente a discussão sobre ensinar filosofia a partir de seus problemas ou a partir de sua história. Em II faço uma crítica a certas “apresentações apressadas” de filósofos como Heráclito em aulas de filosofia de enfoque histórico no ensino médio. Em III, em parte justificando a crítica, trago algumas citações de Heráclito para salientar que ele se ocuupou com diversos problemas e, por isso, caricaturas e simplificações extremas não são adequadas.

    I – Ensinar História da Filosofia?

    Tenho acompanhado discussões sobre como ensinar filosofia no ensino médio. Há uma discussão sobre se o enfoque deve ser de tipo histórico ou em temas e problemas. Uma posição que parece ser sensata é que não se abra mão do recurso ao texto clássico. Mas quanto a ele ser o fim da atividade de ensino, isso requer mais discussão.

    A defesa de que o enfoque seja nos problemas filosóficos que apareceram no decorrer da sua história da filosofia pode recorrer ao fato de que foram esses problemas que motivaram e motivam os filósofos a escrever. E, também, que o caráter crítico e argumentativo da filosofia é melhor respeitado se o enfoque ao ensiná-la é em seus problemas e entendendo que os escritos dos filósofos foram tentativas de resolvê-los.

    II – Crítica a apresentações “apressadas” de um filósofo

    Agora o Heráclito. Escolhi ele como um exemplo, devido a sua certa “popularidade” nos manuais e aulas de filosofia de enfoque histórico. Quero defender que é muito pobre, e também problemática, a apresentação deste filósofo, assim como deve também ser a de vários outros dessa abordagem. Exemplos de textos voltados a alunos do Ensino Médio sobre Heráclito podem ser vistos aqui e (de forma um pouco mais elaborada) aqui.

    Um problema neste tipo de texto é que não destaca nada sobre os escritos do próprio Heráclito. Não é informado ao leitor que de Heráclito só temos fragmentos, nem o caráter problemático das traduções feitas a partir das versões originais e da complicada e necessária interpretação que é dada a esses trechos. O outro problema é que parecem focar-se em apenas em um ou outro aspecto da sua filosofia, levando a caricaturas grosseiras do autor como “O filósofo do movimento”, “do fogo” ou “do Lógos”. Fora isso, num âmbito mais geral, sem o enfoque nos problemas o filósofo pode parecer um idiota. Certas teorias propostas no decorrer das historia não fazem sentido se não sabemos mais da sua razão de surgir e dos recursos de saber disponíveis em tal época. Penso que faz mais sentido ao aluno ficar a par de tudo isso.

    III – Assuntos variados nos escritos de Heráclito

    Para trazer à tona alguns aspectos mais do trabalho de Heráclito vou citar alguns fragmentos do próprio Heráclito. Tento mostrar, assim, a variedade de assuntos que o filósofo tratou e, quem sabe, provocar uma surpresa aos que foram apresentados a Heráclito por aí sem nenhum contato com o que ele de fato nos deixou.

    Heráclito escreveu sobre a morte:

    “27 – O que aguarda os homens após a morte, não é nem o que esperam nem o que imaginam.”

    Sobre a felicidade:

    “4 – Se a felicidade consistisse nos prazeres do corpo, deveríamos proclamar felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer.”

    Há, também, um fragmento muito esquisito:

    “96 – Os cadáveres deveriam ser lançados fora como estrume.”

    Falou sobre a lei:

    “33 – Lei é também obedecer à vontade de um só.”

    Sobre a alma:

    “45 – Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos.”

    “67a – Assim como a aranha, instalada no centro de sua teia, sente quando uma mosca rompe algum fio (da teia) e por isso acorre rapidamente, quase aflita pelo rompimento do fio, assim a alma do homem, ferida alguma parte do corpo, apressadamente acode, quase indignada pela lesão do corpo, ao qual está ligada firme e harmoniosamente.”

    Há, como se pode ver, vários fragmentos bem se enquadrariam no que chamamos de filosofia prática. Há mais fragmentos sobre esses assuntos. Nos seguintes, por exemplo, Heráclito parece ter uma posição um tanto “subjetivista” sobre os valores e gostos:

    “102 – Para Deus tudo é belo e bom e justo; os homens, contudo, julgam umas coisas injustas e outras justas.”

    “9 – Os asnos prefeririam a palha ao ouro.”

    “29 – Uma coisa preferem os melhores a tudo: a glória eterna às coisas perecíveis; mas a massa empanturra-se como o gado.”

    “37 – Porcos banham-se na lama, pássaros no pó e na cinza.”

    “49 – Um vale aos meus olhos dez mil, se é o melhor.”

    “58 – (Bem e mal são a mesma coisa). Os médicos cortam, queimam, (torturam de todos os modos os doentes, exigem) um salário, ainda que nada mereçam, fazendo(lhes) um bem semelhante (à doença).”

    “111 – A doença torna a saúde agradável; o mal, o bem; a fome, a saciedade; a fadiga, o repouso.”

    E, também, temos os trechos de Heráclito sobre o rio e a mudança (que parecem em muitas apresentações de Heráclito, ser a única coisa que ele disse):

    “12 – Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas. Mas também almas são exaltadas do úmido.”

    “49a – Descemos e não descemos nos mesmos rios; somos e não somos.”

    “91 – Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reúne-se; avança e se retira.”

    Gostaria de finalizar, ainda, com mais dois fragmentos que tratam do mundo e sua objetividade:

    “30 – Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez;sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida.”

    “89 – Para aqueles que estão em estado de vigília, há um mundo único e comum.”

    Como se pode ver, os temas são vários. E, também podem ser várias as interpretações dadas a estes fragmentos. Como se respeita estas complexidades em uma aula?

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    Todas as citações acima são do livro Os filósofos pré-socráticos organizado por Gerd A. Borheim (Editora Cultrix:São Paulo, 1993. Capítulo dedicado a Heráclito).

  • Resumo: neste texto (a) apresento de um modo bem superficial a, assim chamada, teoria da correspondência da verdade, (b) introduzo o problema epistemológico de como saber se nossas crenças ou pensamentos correspondem com a realidade, e (c) cito um trecho da Stanford Encyclopedia of Philosophy tratando do assunto de modo mais detalhado.

    Não é incomum, ao se falar em teorias da verdade, apresentar a teoria da correspondência em conexão com algum exemplo do tipo: nossos antepassados pensavam que a Terra era plana (ou o centro do Universo), mas nós, hoje, sabemos que isso é falso. Menciona-se, também, a figura de Aristóteles, que afirma que dizer a verdade é dizer do que é, que é; e do que não é, que não é (Metafísica, Livro IV). Com isso, a teoria da correspondência da verdade poderia ser apresentada assim: o que dizemos (ou pensamos) é verdadeiro se, e somente se, as coisas (ou o mundo) são como dizemos que são; ou, ainda, uma proposição (crença ou afirmação) é verdadeira se, e somente se, corresponde com a realidade (ou aos fatos). Citando Strawson,

    … um dos méritos do nome “correspondência” é mostrar que confrontando o juízo e a crença está o mundo natural ou a realidade, as coisas e os eventos com os quais os juízos e as crenças se relacionam, ou são acerca deles; e é como as coisas são no mundo natural, na realidade ou de fato, que determina se os nossos juízos ou crenças são verdadeiros ou falsos. (Análise e Metafísica, Cap. 4)

    Com a teoria da correspondência enunciada assim, podemos evitar uma postura relativista que diria que para nossos antepassados era verdade que a Terra é plana (ou o centro), mas, para nós, isso é falso. Deveríamos dizer, no lugar disso, que eles tinham boas razões para acreditar no que acreditavam, mas… estavam errados.

    Atentemos um pouco mais ao exemplo. O ponto que me fez escrever este texto é o seguinte. Podemos dizer que sabemos, hoje, que nossos antepassados estavam errados? Ou devemos dizer, meramente, que eles acreditavam em algo e nós, hoje, acreditamos no oposto? Bem, poder-se-ia dizer que, se é verdade que a Terra não é o centro do Universo, então o que temos hoje pode ser chamado de conhecimento. Mas podemos saber que sabemos (o que envolve saber se é verdadeiro isso em que acreditamos)?

    Talvez esse ponto fique mais claro apresentando-o da seguinte forma. Se acreditamos que a Terra é esférica, isso é verdade se a Terra é, de fato, esférica. A crença deve ajustar-se à realidade. Mas como podemos confirmar que uma crença corresponde com a realidade, seria possível comparar uma coisa com a outra? Uma tal comparação exigiria que tivéssemos acesso à realidade de um ponto de vista externo ao nosso, já que todas as nossas crenças são a partir do nosso ponto de vista. Não podemos saltar fora de nossos pensamentos, nem de nossa linguagem para confrontar as crenças ou sentenças que julgamos verdadeiras com a realidade. “A ideia de um tal confronto é absurda”, nos diz Davidson (Ver “A coherence Theory of Truth and Knowledge”).

    Para jogar algum esclarecimento nesse ponto (eu espero), traduzi um trecho de: David, Marian, “The Correspondence Theory of Truth”, The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2009 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <http://plato.stanford.edu/archives/fall2009/entries/truth-correspondence/>.

    Segue abaixo a tradução (as referências feitas ao longo do texto podem ser conferidas no link do original):

    Nenhum acesso independente à realidade


    A objeção que bem pode ter sido a mais efetiva em causar descontentamento com a teoria da correspondência está baseada numa abordagem (concern) epistemológica. Em poucas palavras, a objeção é que uma teoria correspondentista da verdade deve inevitavelmente conduzir a um ceticismo a respeito do mundo externo, porque a requerida correspondência entre nossos pensamentos e a realidade não é averiguável. Já desde o ataque de Berkeley à teoria representacional da mente, objeções deste tipo têm gozado de considerável popularidade. É tipicamente apontado que nós não podemos saltar fora de nossas mentes para comparar nossos pensamentos com a realidade independente-da-mente (mind-independent). Não obstante – assim continua a objeção – na teoria correpondentista da verdade, isso é precisamente o que teríamos que fazer para adquirir conhecimento. Nós teríamos que acessar a realidade como ela é em si mesma, independentemente de nossa cognição a seu respeito, e determinar se nossos pensamentos lhe correspondem. Uma vez que isso é impossível, já que todo o nosso acesso ao mundo é mediado por nossa cognição, a teoria correspondentista da verdade torna o conhecimento impossível (cf. Kant 1800, intro vii). Assumindo que o ceticismo resultante é inaceitável, a teoria da correspondência tem de ser rejeitada, e alguma outra abordagem da verdade, uma abordagem epistêmica (anti-realista) de algum tipo, tem que ser colocada em seu lugar (Cf., e.g., Blanshard 1941.)

    Este tipo de objeção traz uma série de questões epistemológicas, de filosofia da mente e de metafísica geral. Aqui só podemos aludir a alguns pontos pertinentes (cf. Searle 1995, chap. 7; David 2004, 6.7). A objeção faz uso da seguinte linha de raciocínio: “Se verdade é correspondência, então, já que conhecimento requer verdade, temos que saber que nossas crenças correspondem com a realidade, se queremos conhecer algo acerca da realidade”. Há duas suposições implícitas nesta linha de raciocínio, ambas discutíveis.

    (i) Assume-se que S sabe x somente se S sabe que x é verdadeiro – uma exigência não subscrita (underwritten) pelas definições padrão de conhecimento, que nos dizem que S sabe x somente se x é verdadeiro e S está justificado em crer x. A suposição pode repousar numa confusão entre os requisitos para saber x e os requisitos para saber que alguém sabe x.

    (ii) Assume-se que, se verdade = F, então S sabe que x é verdadeiro somente se S sabe que x tem F. Isso parece altamente implausível. Pelo mesmo padrão seguir-se-ia que ninguém que não sabe que água é H2O pode saber que o Nilo contém água – o que significaria, naturalmente, que até razoavelmente pouco tempo ninguém sabia que o Nilo continha água (e que, analogamente, até pouco tempo ninguém sabia que há estrelas no céu, baleias no oceano, ou que o sol produz luz).

    Além do mais, ainda se alguém sabe que água é H2O, sua estratégia para descobrir se o líquido em seu copo é água não tem que envolver análise química: ele poderia simplesmente prová-lo, ou perguntar a um informante confiável. De modo similar, tanto quanto diz respeito a saber que x é verdadeiro, parece que a teoria da correspondência não implica que temos que saber que uma crença corresponde a um fato para saber que ela é verdadeira, ou que nosso método de descobrir se uma crença é verdadeira tem que envolver uma estratégia de comparar efetivamente uma crença com um fato – embora a teoria certamente implique que obter conhecimento requer obter uma crença que corresponde a um fato.

    De modo mais geral, alguém poderia questionar se a objeção é muito profunda (has much bite), umas vez que as metáforas de “acessar” e “comparar” são enunciadas com mais atenção aos detalhes psicológicos de formação de crença e a questões epistemológicas concernentes às condições sob as quais crenças estão justificadas ou garantidas. Por exemplo, é muito obscuro como a metáfora de “comparar” aplica-se ao conhecimento obtido em crenças formadas perceptualmente (perceptual belief-formation). Poder-se-ia perguntar, também, se abordagens da verdade concorrentes de fato gozam de alguma vantagem significativa em relação à teoria da correspondência, uma vez que estão presas (held) ao padrões estabelecidos por este tipo de objeção.

    De qualquer forma, a objeção “Nenhum acesso independente à realidade” contra abordagens correspondentistas da verdade têm sido uma das, se não a, principal fonte de motivação para posturas idealistas e anti-realistas na filosofia (cf., e.g., Stove 1991). Apesar disso, a conexão entre teorias correspondentistas da verdade e o debate metafísico do realismo vs. anti-realismo (ou idealismo) parece menos direto do que frequentemente é assumido. Por outro lado, teóricos deflacionistas e da identidade podem ser, e tipicamente são, realistas metafísicos enquanto rejeitam a teoria da correspondência; e defensores de uma teoria da correspondência, por outro lado, poderiam ser idealistas metafísicos (e.g., McTaggart 1921) ou anti-realistas, sustentando que fatos são constituídos pela mente ou que quais fatos existem depende de algum modo de em que acreditamos ou somos capazes de acreditar.

  • “Atitudes Proposicionais e Racionalidade em Donald Davidson” é o título do trabalho que apresentarei sob a forma de “pôster” na 24ª Jornada Acadêmica Integrada da UFSM.

    Para algum interessado, o trabalho estará exposto a partir das 19hs de Quarta-Feira (11 de Novembro de 2009) na Antiga Reitoria. O número do painel é 91.

    —————–[Informação Posterior]:

    O trabalho do qual falei acima pode ser acessado aqui:
    Fischborn, M – Atitudes Proposicionais e Racionalidade em Donald Davidson.