Marcelo Fischborn

Doutor em Filosofia. Professor no Instituto Federal Farroupilha. Autor de Por que pensar assim? Uma introdução à filosofia

Ao longo da história da filosofia (incluindo a filosofia produzida atualmente), um tópico recorrente é o da responsabilidade moral. Esse tópico é por vezes investigado juntamente com o tema do livre-arbítrio, com questões sobre a relevância do determinismo para esses assuntos, e também em conexão com os sentimentos e atitudes que manifestamos quando somos gratos ou elogiamos alguém por ter feito algo, ou quando nos ressentimos ou repudiamos o ato de alguém.

Abaixo, traduzo um trecho de um texto escrito por Michael J. Zimmerman que ajuda a explicitar o que exatamente está em questão quando filósofos falam em responsabilidade moral.

“É bem sabido que o termo ‘responsável’ tem muitos significados. Precisamos distinguir, primeiramente, entre responsabilidade causal e pessoal.

A responsabilidade causal surge quando um evento ou estado causa outro. Por exemplo, um curto-circuito pode ser responsável por um incêndio, um furacão por uma enchente, e assim por diante. […]

A responsabilidade pessoal, diferentemente, envolve uma pessoa sendo responsável por algo. Essa responsabilidade vem em dois tipos principais: prospectiva e retrospectiva. Ser prospectivamente responsável, ter uma responsabilidade prospectiva, é ter uma obrigação. Sheila, por exemplo, pode ser responsável pela segurança dos nadadores; isto é, pode ser responsabilidade dela garantir que os nadadores estejam e permaneçam seguros. (Também se poderia dizer que Sheila é responsável—uma pessoa responsável—sem dizer que é responsável por qualquer coisa. Tipicamente, isso apenas significaria que ela leva a sério suas várias responsabilidades prospectivas.) […]

[A responsabilidade retrospectiva é] a responsabilidade que se tem por algo que já aconteceu. Dave, por exemplo, pode ser responsável nesse sentido pela morte dos nadadores. A responsabilidade retrospectiva pode ser moral ou não-moral (por exemplo, legal).” (Zimmerman, M. “Varieties of moral responsibility”, pp. 45-46, em R. Clarke, M. McKenna e A. Smith, The nature of moral responsibility. Oxford University Press, 2015.)

Em grande parte das discussões filosóficas sobre responsabilidade moral, o que está em questão é o que acima é chamado de responsabilidade moral retrospectiva. Trata-se da responsabilidade que alguém pode ter por algo que já aconteceu. Mas nem toda responsabilidade retrospectiva é moral. Por exemplo, um criminoso é considerado criminalmente (ou legalmente) responsável por um crime que cometeu. Esse é também um tipo de responsabilidade retrospectiva, mas não se trata de responsabilidade retrospectiva moral.

O que, mais precisamente, a responsabilidade retrospectiva moral envolve? Em linhas bastante gerais, diz-se que um agente é moralmente responsável por algo quando é apropriado responder de certas maneiras ao que ele fez. Por exemplo, se um agente moralmente responsável fez algo bom (por exemplo, ajudou uma pessoa caída a levantar) pode ser apropriado agradecer-lhe ou elogiá-lo por isso. Se um agente moralmente responsável faz algo ruim, por outro lado, pode ser apropriado censurá-lo ou condenar o que fez. Essas reações (gratidão, elogio ou censura) são formas de responsabilizar moralmente o agente. Somos responsáveis, nesse sentido, quando é apropriado que os outros respondam de certas maneiras ao que fizemos. Ser apropriado ou adequado responder, na tradição filosófica, geralmente é entendido como uma forma de merecimento: é adequado censurar ou elogiar alguém quando a censura ou o elogio são merecidos. Boa parte da discussão filosófica sobre a responsabilidade moral dedica-se a estabelecer sob quais condições as respostas características da responsabilização são merecidas (adequadas ou justas), isto é, que condições precisam ser satisfeitas para que um agente seja moralmente responsável.

Perguntas para seguir pensando:

  1. Qual é a diferença entre responsabilidade moral e responsabilidade criminal?
  2. Crianças são moralmente responsáveis? (E criminalmente?)
  3. Pessoas com incapacidade mental severa podem ser moralmente responsáveis? Por quê?

Este texto foi publicado originalmente em fischborn.wordpress.com e pode ser reutilizado livremente para fins não-comerciais. A discussão nos comentário abaixo é bem-vinda.

Você também pode querer ver uma vídeo sobre este tema.

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11 respostas para “O que é a responsabilidade moral?”.

  1. Avatar de O argumento do zigoto a favor do incompatibilismo | Filosofia: estudo e ensino

    […] posts deste blog detalham o que a tese do determinismo diz e o que a responsabilidade moral envolve. Este post apresenta um dos argumentos disponíveis a favor de uma resposta negativa à […]

  2. Avatar de André Luiz Alberto Moore
    André Luiz Alberto Moore

    Em qual situação uma pessoa pode tomar uma decisão pelo livre arbítrio e não ser responsável ou responsabilidade pelos resultados

    1. Avatar de Marcelo Fischborn

      André: Alguns filósofos distinguem as condições de liberdade e de conhecimento para a responsabilidade. Se essa distinção (ou outra) é feita, pode-se dizer que alguém agiu livremente, mas ainda assim não foi responsável. Por exemplo, suponha que uma pessoa delibere normalmente sobre dar ou não o sanduíche que acabou de comprar para si a uma pessoa faminta. Suponha que ela opte por dar seu sanduíche, mas que, sem que soubesse, o sanduíche estava contaminado e cause uma dor de barriga no desconhecido. Nesse caso seria possível dizer que a pessoa satisfez a condição da liberdade (ao deliberar), mas não satisfez a condição de responsabilidade (devido ao desconhecimento das consequências das opções). Mas essa distinção é por vezes questionada—alguém poderia dizer que o defeito no conhecimento prejudica a liberdade envolvida na deliberação, ou que a pessoa foi responsável por doar o sanduíche, mas não por doar o sanduíche estragado.

  3. Avatar de Filosofia: estudo e ensino

    […] de Libet motivaram uma discussão intensa não só sobre livre-arbítrio, mas também sobre a responsabilidade moral, já que geralmente se aceita que não pode haver responsabilidade sem livre-arbítrio. Desde […]

  4. Avatar de O que a ciência têm a dizer sobre a responsabilidade moral? | Filosofia: estudo e ensino

    […] de Libet motivaram uma discussão intensa não só sobre livre-arbítrio, mas também sobre a responsabilidade moral, já que geralmente se aceita que não pode haver responsabilidade sem livre-arbítrio. Desde […]

  5. Avatar de Podemos aprimorar as práticas de responsabilização? – Marcelo Fischborn

    […] Nela, argumentei que a investigação tradicional sobre a existência do livre-arbítrio e da responsabilidade moral—a investigação que busca dizer se o livre-arbítrio existe e se é apropriado […]

  6. Avatar de Crime e violência: Dados, causas e prevenção – Marcelo Fischborn

    […] meu trabalho com questões relacionadas à responsabilidade moral e à punição, entrei em contato com uma vasta literatura sobre as causas e a prevenção do crime […]

  7. Avatar de O que é a punição? – Marcelo Fischborn

    […] os demais fazem. Entre essas reações, algumas delas compõem o que podemos chamar e práticas de responsabilização, as quais podem ser entendidas como respostas ou reações a outras pessoas que levam em conta a […]

  8. Avatar de Dez anos do blog – Marcelo Fischborn

    […] O que é a responsabilidade moral? (6.111) […]

  9. Avatar de marcia reis
    marcia reis

    sou estudante de pedagogia e achei o texto muito confuso,não me ajudou a enter o que seria a responsabilidade moral.

  10. Avatar de Kant sobre a liberdade… – Marcelo Fischborn

    […] As caracterizações da liberdade recém apresentadas, e especialmente a caracterização negativa, geram um problema para Kant. Kant acreditava que todos os fenômenos são determinados por causas anteriores que lhes são externas. Assim, se todos os eventos são o produto de causas determinantes anteriores, não seriam determinadas também as ações e decisões humanas, ao contrário do que exige a liberdade em sentido negativo? Nem todo mundo acredita que a determinação causal exclui a liberdade. Mas Kant defendeu que não temos controle sobre o que aconteceu no passado e que, se eventos passados determinam minhas decisões, assim como determinam os demais eventos, não teríamos liberdade e que, como consequência, a ética como um todo não faria sentido (ver por exemplo, o conceito de responsabilidade moral). […]

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