Ao longo da história da filosofia (incluindo a filosofia produzida atualmente), um tópico recorrente é o da responsabilidade moral. Esse tópico é por vezes investigado juntamente com o tema do livre-arbítrio, com questões sobre a relevância do determinismo para esses assuntos, e também em conexão com os sentimentos e atitudes que manifestamos quando somos gratos ou elogiamos alguém por ter feito algo, ou quando nos ressentimos ou repudiamos o ato de alguém.
Abaixo, traduzo um trecho de um texto escrito por Michael J. Zimmerman que ajuda a explicitar o que exatamente está em questão quando filósofos falam em responsabilidade moral.
“É bem sabido que o termo ‘responsável’ tem muitos significados. Precisamos distinguir, primeiramente, entre responsabilidade causal e pessoal.
A responsabilidade causal surge quando um evento ou estado causa outro. Por exemplo, um curto-circuito pode ser responsável por um incêndio, um furacão por uma enchente, e assim por diante. […]
A responsabilidade pessoal, diferentemente, envolve uma pessoa sendo responsável por algo. Essa responsabilidade vem em dois tipos principais: prospectiva e retrospectiva. Ser prospectivamente responsável, ter uma responsabilidade prospectiva, é ter uma obrigação. Sheila, por exemplo, pode ser responsável pela segurança dos nadadores; isto é, pode ser responsabilidade dela garantir que os nadadores estejam e permaneçam seguros. (Também se poderia dizer que Sheila é responsável—uma pessoa responsável—sem dizer que é responsável por qualquer coisa. Tipicamente, isso apenas significaria que ela leva a sério suas várias responsabilidades prospectivas.) […]
[A responsabilidade retrospectiva é] a responsabilidade que se tem por algo que já aconteceu. Dave, por exemplo, pode ser responsável nesse sentido pela morte dos nadadores. A responsabilidade retrospectiva pode ser moral ou não-moral (por exemplo, legal).” (Zimmerman, M. “Varieties of moral responsibility”, pp. 45-46, em R. Clarke, M. McKenna e A. Smith, The nature of moral responsibility. Oxford University Press, 2015.)
Em grande parte das discussões filosóficas sobre responsabilidade moral, o que está em questão é o que acima é chamado de responsabilidade moral retrospectiva. Trata-se da responsabilidade que alguém pode ter por algo que já aconteceu. Mas nem toda responsabilidade retrospectiva é moral. Por exemplo, um criminoso é considerado criminalmente (ou legalmente) responsável por um crime que cometeu. Esse é também um tipo de responsabilidade retrospectiva, mas não se trata de responsabilidade retrospectiva moral.
O que, mais precisamente, a responsabilidade retrospectiva moral envolve? Em linhas bastante gerais, diz-se que um agente é moralmente responsável por algo quando é apropriado responder de certas maneiras ao que ele fez. Por exemplo, se um agente moralmente responsável fez algo bom (por exemplo, ajudou uma pessoa caída a levantar) pode ser apropriado agradecer-lhe ou elogiá-lo por isso. Se um agente moralmente responsável faz algo ruim, por outro lado, pode ser apropriado censurá-lo ou condenar o que fez. Essas reações (gratidão, elogio ou censura) são formas de responsabilizar moralmente o agente. Somos responsáveis, nesse sentido, quando é apropriado que os outros respondam de certas maneiras ao que fizemos. Ser apropriado ou adequado responder, na tradição filosófica, geralmente é entendido como uma forma de merecimento: é adequado censurar ou elogiar alguém quando a censura ou o elogio são merecidos. Boa parte da discussão filosófica sobre a responsabilidade moral dedica-se a estabelecer sob quais condições as respostas características da responsabilização são merecidas (adequadas ou justas), isto é, que condições precisam ser satisfeitas para que um agente seja moralmente responsável.
Perguntas para seguir pensando:
- Qual é a diferença entre responsabilidade moral e responsabilidade criminal?
- Crianças são moralmente responsáveis? (E criminalmente?)
- Pessoas com incapacidade mental severa podem ser moralmente responsáveis? Por quê?
Este texto foi publicado originalmente em fischborn.wordpress.com e pode ser reutilizado livremente para fins não-comerciais. A discussão nos comentário abaixo é bem-vinda.
Deixar mensagem para Podemos aprimorar as práticas de responsabilização? – Marcelo Fischborn Cancelar resposta